MPF reconhece como quilombola região reivindicada por primo de Caiado

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, nessa segunda-feira (8/9), um parecer favorável aos moradores da Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO). O órgão considerou procedente a reclamação dos moradores de que é a Justiça Federal o órgão competente a emitir qualquer decisão judicial a respeito daquela área.
Cabe agora ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se a competência daquela região é da União ou do Estado de Goiás. Caso a Corte considere que a Justiça Federal é a responsável, cresce a esperança dos moradores de ter de volta as 32 casas já derrubadas após vitória parcial da família Caiado.
Atualmente, estão suspensas novas desocupações na Antinha de Baixo após determinação do próprio STF, e se a Corte considerar que a União é dona da área, os moradores poderão seguir vivendo na região sem medo de decisões contrárias. As 32 casas derrubadas, porém, estão em posse dos Caiado, porque a ordem do STF não se sobrepõe à medida anterior do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).
Entenda o caso e o parecer dessa 2ª feira
Em 28 de julho deste ano, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) ordenou que moradores de 32 casas da Antinha de Baixo deixassem os imóveis. A Justiça goiana se baseou em decisões anteriores da própria Corte que davam posse das terras a três pessoas: Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss.
Como esses dois últimos já faleceram, os herdeiros deles são os reais beneficiados com a decisão. Um dos herdeiros de Maria Paulina Boss é o desembargador do TJGO Breno Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Ele atuou como advogado no processo até 2023.
Os moradores da Antinha de Baixo, então, registraram reclamação constitucional com pedido de liminar junto ao STF. Nela, a população alega que o TJGO desconsiderou a natureza quilombola do território ao conduzir o processo e se negou a incluir a União no decorrer dos trâmites.
A população da Antinha de Baixo aponta que o local foi habitado por escravos cerca de 400 anos atrás e levou essa questão ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)e à Fundação Cultural Palmares. Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a União é responsável por terras quilombolas e, por isso, o TJGO não poderia estabelecer ordens naquela região. Caso semelhante ocorreu no quilombo Mesquita, na Cidade Ocidental (GO), por exemplo.
E, na publicação dessa segunda-feira (8/9), o MPF cita que a decisão do TJGO que dava as terras à família Caiado e a outros herdeiros “desconsiderou a natureza originária do direito quilombola à terra e a hierarquia das normas constitucionais”.
“Cumpre observar que o relatório preliminar de diagnóstico antropológico do Incra concluiu que a comunidade Antinha de Baixo descende de trabalhadores negros escravizados e possui características quilombolas, com origem no quilombo Mesquita e organização social própria referenciada ao território”, declarou o MPF, em parecer assinado pela subprocuradora-geral da República Elizeta Maria de Paiva Ramos. “Este relatório corrobora a certificação da Fundação Palmares e reforça a necessidade de tutela da comunidade”, considerou.
“O interesse jurídico da União está adequadamente demonstrado pela atuação da Fundação Cultural Palmares órgão federal responsável pela certificação, e do Incra, órgão responsável pela regularização fundiária. […]. Portanto, deve ser fixada a competência da Justiça Federal para o julgamento da ação em curso na origem”, pontuou a subprocuradora.
“Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pela procedência da presente reclamação.”
STF mantém proibidas derrubadas
É a segunda manifestação favorável na Justiça obtida pelos moradores da Antinha de Baixo. Em 29 de agosto, a 2ª Turma do STF votou de forma unânime para manter proibida a desocupação no território.
Em 5 de agosto deste ano, o ministro do STF Edson Fachin, relator do processo, levou em conta o fato de a Fundação Palmares acatado a autodeclaração dos moradores da Antinha de Baixo como região quilombola.
“Sopesado o perigo de dano irreparável decorrente do cumprimento de decisão anterior […] que não avaliou as peculiaridades inerentes ao reconhecimento de propriedade […], foi monocraticamente deferida a liminar”, ponderou Fachin no voto. “Entendo prudente a imediata suspensão da ordem de desocupação proferida no processo de origem”, declarou.
Votaram acompanhando o relator Fachin os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e André Mendonça. O mérito da questão deve ser votado posteriormente, sem data prevista.
Família centenária
A Antinha de Baixo possui moradores centenários até os dias atuais. Um deles é Joaquim Moreira, conhecido como Seu Joaquim, 86 anos. “Meu pai era daqui, minha mãe também. Fiz casa, criei meus filhos aqui… Não tenho outra casa em lugar nenhum”, disse em entrevista ao Metrópoles.
Relembre no vídeo abaixo: