Encontro de Putin com Xi e Kim na China reforça bloco contra Ocidente

A maratona diplomática do presidente da Rússia, Vladimir Putin, pela China chegou ao fim na terça-feira (3/9) com um encontro de forte simbolismo político: a reunião com o líder chinês e anfitrião, Xi Jinping, e com o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un. O gesto parece reforçar a formação de uma frente que busca se contrapor à influência dos Estados Unidos e da Europa, enviando um recado claro ao Ocidente, como quem diz: “estamos aqui”.
Putin desembarcou na China no último domingo (31/8), recebendo honras com tapete vermelho para participar de uma cúpula regional extraordinária na cidade portuária de Tianjin. O evento reuniu cerca de uma dúzia de líderes de países do Sul Global e ocorreu em um momento delicado das negociações sobre a guerra na Ucrânia.
O Kremlin enviou um recado claro às potências ocidentais ao afirmar que não pretende pautar seus movimentos pela forma como serão interpretados fora da região.
Segundo o porta-voz Dmitry Peskov, a Rússia deve abandonar a “abordagem pejorativa” de medir cada gesto pela ótica do Ocidente e, em vez disso, focar na implementação de sua própria agenda.
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Xi Jinping defende “governança global” em cúpula com Putin e Modi
Cúpula em momento crucial
Ao longo da estadia, Putin se reuniu ainda com o premiê da Índia, Narendra Modi, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, o líder do Irã, Ebrahim Raisi e outros 14 chefes de Estado e governo. Moscou anunciou mais de 20 acordos com Pequim, incluindo cooperação em energia, inteligência artificial, intercâmbio científico e expansão do fornecimento de gás russo à China.
Xi Jinping chamou Putin de “amigo querido” e destacou que as relações sino-russas estão “no patamar mais alto da história”.
Já o presidente russo enfatizou que a parceria com Pequim representa o caminho para um “mundo multipolar mais justo”.
“Esses encontros colocam Putin como um “líder contra o imperialismo norte-americano” na região e o colocam em uma posição central em questões de segurança e cooperação na Eurásia, desmontando a ideia de ser um líder isolado”, analisa a advogada internacionalista Hannah Gomes.
Para ela, o resultado imediato pode ser o retorno de um debate por uma nova governança global liderada pelo Oriente — um plano que remonta à era dos “tempos gloriosos” da Eurásia.
No início da semana, Xi Jinping lançou a Iniciativa de Governança Global (IGG), apresentada como embrião de uma nova ordem mundial. O anúncio durante a reunião da Organização para Cooperação de Xangai Plus (OCX), que reuniu 20 líderes de países não ocidentais.
Xi alertou que a governança internacional segue ameaçada pela “mentalidade da Guerra Fria, o hegemonismo e o protecionismo”, mesmo 80 anos após a criação da ONU.
O encontro aconteceu em meio à guerra comercial dos EUA, que impuseram tarifas de até 50% contra a Índia e pressionam Nova Délhi a suspender a compra de petróleo russo — exigência rejeitada pelo governo indiano, a qual o Kremlin saudou. Na reunião de segunda-feira, o presidente indiano Narendra Modi apareceu, aos sorrisos e de mão dadas, com os líderes russo e chinês.
No desfile militar que encerrou a visita, Xi afirmou que a China não se deixaria intimidar por nenhuma potência estrangeira. A fala foi interpretada como recado direto à Casa Branca.
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O simbolismo do encontro com Kim
A presença de Kim Jong-un em Pequim foi cercada de atenção especial. O norte-coreano chegou de trem, acompanhado da filha, em um gesto interpretado como preparação política de sua sucessora. O encontro com Putin resultou em promessas de apoio à Rússia na guerra da Ucrânia e reforçou a percepção de um novo eixo geopolítico.
Segundo analistas ouvidos pelo Metrópoles, o gesto desafia diretamente as sanções e pressões impostas pelo Ocidente. “Trata-se de uma clara demonstração de aliança estratégica entre Rússia, China e Coreia do Norte, em um contexto de fortalecimento dos compromissos de defesa mútua”, avalia Gustavo Menon, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB) e docente na American Global Tech University (EUA).
Para Menon, o recado é direto: “É um sinal de oposição ao Ocidente, especialmente em relação à guerra na Ucrânia e ao colapso da ordem internacional vigente, com a crise da globalização neoliberal. A crise do multilateralismo e a aliança sino-russa demonstram a emergência de um novo mundo que tenta ser gestado sem a hegemonia dos Estados Unidos.”
Reação americana
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump reagiu com críticas e ironias. Em uma postagem na Truth Social, acusou Xi, Putin e Kim de “conspirarem contra os Estados Unidos” e cobrou reconhecimento do papel americano na vitória sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial.
O Kremlin respondeu em tom conciliador. “Espero que tenha sido ironia [de Trump]. Não há conspirações, ninguém está tramando nada”, disse Yuri Ushakov, assessor próximo de Putin.