EUA x Brasil: ameaça militar em meio a julgamento de Bolsonaro renova tensão

O governo dos Estados Unidos subiu o tom contra o Brasil e falou em usar o “poder militar” norte-americano, ao comentar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob a bandeira de garantir a “liberdade de expressão”. A declaração, que inaugura um novo ponto de tensão entre os dois países, aconteceu nessa terça-feira (9/9).
Retaliações contra o Brasil
- Desde o início de julho, Trump tem aumentado as pressões contra o Brasil e usa o processo judicial de Bolsonaro como justificativa
- O principal alvo das retaliações é o ministro Alexandre de Moraes, relator do julgamento do ex-presidente acusado de tentativa de golpe. Ele foi alvo de sanções da Lei Magnitsky e perdeu o visto norte-americano.
- Além de Moraes, outros sete ministros do STF e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também tiveram seus vistos suspensos, e estão proibidos de entrar nos EUA.
- A justificativa utilizada pela administração Trump é de que a Justiça do Brasil tem perseguido políticos no país, como o ex-presidente Bolsonaro, e facilitado a censura por meio de decisões contra plataformas digitais.
Enquanto ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votavam no julgamento do ex-mandatário, a administração norte-americana se pronunciou sobre o caso por meio da porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt.
Em coletiva de imprensa, ela foi questionada se o Brasil pode ser alvo de novas retaliações norte-americanas, em virtude do julgamento de Bolsonaro. Como resposta, a representante do governo dos EUA disse que o presidente Donald Trump não tem medo de usar “o poder militar” do país para garantir a liberdade de expressão ao redor do mundo.
“A liberdade de expressão é, sem dúvida, a questão mais importante do nosso tempo. Ela está garantida em nossa Constituição e Trump acredita firmemente nisso”, declarou Leavitt. “Eu não tenho nenhuma ação adicional [contra o Brasil] para antecipar para vocês hoje, mas posso dizer que isso é uma prioridade para a administração, e o presidente não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”.
Veja o momento:
Big techs e STF
Um dia antes, o subsecretário de Diplomacia Pública do Departamento de Estado dos EUA, Darren Beattie, ameaçou diretamente o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso envolvendo Bolsonaro no STF. Em publicação no X, ele acusou o magistrado brasileiro de minar liberdades, e prometeu tomar “medidas cabíveis” contra Moraes.
Desde quando iniciou a ofensiva contra o Brasil, em julho, Trump usa o julgamento de Jair Bolsonaro e a disputa entre big techs e o STF como justificativas para suas ações. Além de acusar Moraes e a Suprema Corte de perseguirem o ex-presidente, a administração norte-americana alega que o país tem censurado vozes da oposição.
De acordo com Washington, o cerceamento acontece por meio de decisões judiciais contra grandes plataformas de mídia social que operam no Brasil, mas relutam em cumprir ordens da Justiça do país como fazem em outros países.
Atuação de Eduardo Bolsonaro
As medidas, que afetaram não só ministros do STF, mas também a economia do Brasil, são frutos de articulações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL). O parlamentar, filho do ex-presidente, se afastou das funções na Câmara dos Deputados para buscar ajuda dos EUA no caso envolvendo o pai, desde o início do ano.
Até o momento, porém, as pressões se mantiveram no campo econômico e ainda não haviam escalado para a retórica militar. A ameaça dos EUA surge em meio à recente movimentação do país em direção à América Latina e Caribe, para onde uma frota de navios de guerra e jatos F-35 foram enviados recentemente.
Segundo autoridades norte-americanas, o envio de forças militares para a região visa combater cartéis ligados ao tráfico internacional de drogas, como, por exemplo, o grupo venezuelano Los Soles, do qual o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é apontado como líder.
Reação do governo do Brasil
O governo do Brasil reagiu à ameaça militar dos EUA rapidamente. Em comunicado, o Itamaraty condenou a declaração norte-americana, vista como um atentado contra a democracia brasileira.
“O governo brasileiro condena o uso de sanções econômicas ou ameaças de uso da força contra a nossa democracia”, disse o Itamaraty em nota.
Além disso, a administração Lula afirmou que os três Poderes do Brasil — Executivo, Legislativo e Judiciário — não vão se intimidar diante da ofensiva dos EUA contra a soberania do país, promovida por Trump,
A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, também se pronunciou sobre o caso. Em uma publicação no X, ela disse que as intimidações norte-americanas chegaram “ao cúmulo” com a declaração da Casa Branca.
No comunicado, Gleisi apontou a família Bolsonaro como responsável pela crise entre Brasil e EUA.
“A conspiração da família Bolsonaro contra o Brasil chegou ao cúmulo hoje, com a declaração da porta-voz de Donald Trump de que os EUA podem usar até força militar contra o nosso país. Não bastam as tarifas contra nossas exportações, as sanções ilegais contra ministros do governo, do STF e suas famílias, agora ameaçam invadir o Brasil para livrar Jair Bolsonaro da cadeia”, escreveu a ministra de Lula.
Após Washington iniciar movimentos na tentativa de interferir no julgamento de Bolsonaro, o governo brasileiro tem sido irredutível no que diz respeito a possíveis negociações que envolvam a soberania e os assuntos internos e políticos do país.
Bolsonaro é apontado como o líder de uma organização criminosa que tentou, em 2022, realizar um golpe de Estado no Brasil. O objetivo seria impedir que Lula assumisse a Presidência, ainda que tenha vencido nas urnas. Segundo investigações da Polícia Federal (PF), o plano golpista envolvia até mesmo o assassinato de autoridades brasileiras, como o líder petista, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Para apoiadores, contudo, o julgamento de Bolsonaro é visto como uma forma de tirar o ex-presidente das eleições do próximo ano — ainda que o mesmo esteja inelegível até 2030 por abuso de poder político.