inflação fora da meta “incomoda bastante” o Banco Central

O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, admitiu o incômodo da autoridade monetária com a persistência da chamada “desancoragem de expectativas” para a inflação no Brasil, que continua projetada acima da meta para este ano.
Galípolo participou nesta segunda-feira (29/9) de um evento promovido por um banco, em São Paulo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que vem se dizendo confiante no início do ciclo de cortes da taxa básica de juros em breve, também participou do seminário.
No último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, há duas semanas, a autoridade monetária decidiu manter o juros inalterados, em 15% ao ano – ainda é a maior taxa em quase duas décadas, desde 2006.
A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a inflação. Quando o Copom aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.
Ao reduzir a Selic, por outro lado, a tendência é de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica.
“A desancoragem das expectativas é algo que nos incomoda bastante. Ela tem um processo de consumo bastante institucionalizado por parte do BC”, afirmou Galípolo.
O presidente do BC reconheceu que a Selic segue em um patamar bastante restritivo, mas observou que se trata de uma medida necessária para tentar levar a inflação de volta à meta.
“O BC jamais falou algo diferente ou que 15% não fosse uma taxa de juros alta, quando você compara com outros países. É uma taxa mais alta quando comparada aos pares, e isso não é novo, já tem algum tempo. Mas é importante lembrar que o comando legal que o BC recebe é para botar a inflação em 3%”, justificou Galípolo.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para este ano é de 3%.Como há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta será cumprida se ficar entre 1,5% e 4,5%.
De acordo com a mais recente edição do Relatório Focus, do BC, divulgada nesta manhã, a estimativa de inflação para 2025 passou de 4,83%, na semana passada, para 4,81%.
Embora esteja acima do teto da meta deste ano, de 4,5%, a projeção do mercado para a inflação dá sinais de estar se aproximando ao limite superior do objetivo traçado pelo CMN. Para 2026, o mercado prevê a inflação dentro da meta, que é de 3% com intervalo de tolerância entre 1,5% e 4,5%.
“A taxa de juros pode estar alta, mas nós dosamos o remédio em função do indicador que estamos olhando. A meta é de 3% e estamos assistindo a uma convergência lenta para esses 3%”, explicou Galípolo.
Segundo o presidente do BC, é normal que a opinião pública especule sobre quando os juros começarão a cair no país, mas a autoridade monetária deve se guiar com base em indicadores.
“A cada momento que você interrompe um ciclo de alta, começam as apostas sobre quando começam as quedas”, disse Galípolo. “A gente não olha para uma única variável. Olhamos para o conjunto de variáveis e estamos dependente de dados.”
O presidente do BC afirmou ainda: “Pretendemos permanecer nesse patamar por um tempo bastante prolongado para que a gente possa produzir essa convergência”.
“Nós vamos ter um período de trincar os dentes e vai ser um desafio maior. Não tem atalho para a autoridade monetária. É persistir no caminho que pode dar um bom resultado”, completou Galípolo.
Os preços de bens e serviços do país avançaram 0,26% em julho, um aumento de 0,02 ponto percentual em comparação a junho (0,24%). Em 12 meses até julho, a inflação acumulou alta de 5,23%, ainda acima do teto da meta.
No regime de meta contínua, o índice é apurado mês a mês. Caso o acumulado dos meses fique acima do fixado por seis meses consecutivos, a meta é considerada descumprida.
Para agosto, os analistas consultados pelo BC apostam em uma elevação de 0,56% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado o termômetro oficial da inflação do país. O IPCA de setembro será divulgado em 9 de outubro.
Economia resiliente
Apesar de a Selic permanecer em patamar restritivo, a atividade econômica do país continua “resiliente”, observou Gabriel Galípolo – o que é mais um motivo de preocupação em relação à inflação.
“O que a gente vem assistindo é um cenário que fornece informações que tendem a corroborar o cenário original do BC, de ir para um processo de suavização do ciclo econômico, uma desaceleração ordenada. É importante que o BC siga sem se emocionar ou sem querer reagir a partir de um dado isolado. Esse processo de suavização é essencial para a convergência da inflação à meta”, disse.
“Encontramos diversos indícios de uma economia que demonstra resiliência. Vamos seguir consumindo esses dados e vendo como se dá a reação da economia para que possamos produzir a convergência da inflação para a meta”, prosseguiu Galípolo.
Para o chefe da autoridade monetária, “o crescimento nos últimos anos tem alternado com alguns estímulos de demanda e alguns anos em que o agro tem sido excepcional”. “Esses têm sido dois motores relevantes. Eu tenho dificuldade de encontrar ganhos de produtividade evidentes fora do agro”, afirmou.
“Para que a gente pudesse ver esse crescimento sustentável, de forma duradoura, e com uma taxa de juros mais baixa, seria importante que enfrentássemos esse tema da produtividade”, alertou Galípolo.
Câmbio
Em sua participação no seminário em São Paulo, Gabriel Galípolo também foi questionado sobre a recente desvalorização do dólar frente ao real e outras moedas.
“Vimos um movimento de perda de valor do dólar. Tem várias explicações por trás disso. Assistimos, durante um período, a uma perda da correlação tradicional em momentos de aversão a risco ou de aumento do apetite a risco”, disse.
“Nas conversas que temos com investidores estrangeiros, o enfraquecimento do dólar também estaria respondendo mais ao ciclo de política monetária, efetivamente”, explicou.
De acordo com o Focus desta semana, os analistas do mercado financeiro revisaram para baixo as estimativas para a taxa de câmbio em 2025, 2026 e 2027. Por outro lado, elevaram a projeção do dólar para 2028.
Para 2025, a cotação estimada do dólar passou de R$ 5,50 para R$ 5,48. Para 2026, recuou de R$ 5,60 para R$ 5,58.
Já para 2027, caiu de R$ 5,60 para R$ 5,56. E, para 2028, foi de R$ 5,54 para R$ 5,56.